Folha da Manhã
Quantos campistas vão com frequência ao cinema ou ao teatro? Se são poucos, pode-se saber que essa realidade não é apenas da Planície. A partir do for-te argumento de que a maioria da população brasileira não vai ao cinema, não conhece museus e nunca assistiu a um espetáculo de dança, o Ministério da Cultura (Minc) veicula um vídeo em seu site oficial utilizando esse dado para justificar a importância do Vale Cultura, subsídio a ser concedido para o consumo cultural, ainda neste ano, aos trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos. Nesse contexto, a ministra Marta Suplicy chegou a ventilar a hipótese de o benefício poder ser utilizado também no pagamento de mensalidades de TV por assinatura, o que logo recebeu severas críticas por parte de produtores culturais.
Em Campos, essa possibilidade também foi rechaçada por alguns profissionais da área. Após a polêmica, a ministra declinou de sua intenção.
Segundo o advogado Allan Rocha, o Vale Cultura é um projeto de inclusão cultural por meio da distribuição de R$ 50 para aquisição de livros, filmes e outros bens culturais clássicos. Para ele, abrir o uso do Vale Cultura para pagamento de TV por assinatura seria um retrocesso.
— O Vale se tornaria mais um instrumento de financiamento da industrial cultural tradicional, que não mais se sustenta e que depende de verba pública para sobreviver. E detalhe: são em sua maioria multinacionais. Então, pagaríamos para sustentar a existência de empresas estrangeiras moribundas. A possibilidade de usá-lo para pagar TV por Assinatura é, talvez, o exemplo mais grotesco deste desvirtuamento — disse.
O produtor cultural Fernando Rossi considera que o Vale só será significativo se houver formas de garantir que ele seja utilizado para consumir cultura.
“O Vale Cultura é uma iniciativa interessante, mas, é necessário que essas pessoas consumam cultura mesmo, que ele venha para estimular o público a assistirem espetáculos de dança, música e teatro. Não se pode permitir que funcione como uma moeda de troca, do gênero vale transporte que é trocado por qualquer outra coisa. Ele é importante dar possibilidades à população, que muitas vezes não podem ter acesso aos eventos culturais por falta de condições financeiras”, argumentou.
De modo semelhante pensa o teatrólogo Antonio Roberto Ka-pi: A princípio o Vale Cultura é válido e importante. Penso que corre o risco de ser mal administrado, de vir a servir ao consumo de descartáveis. Para que não seja mais um mecanismo falho, é necessário trabalhar o que é cultura de fato, ou ficaremos na mesma mixórdia. O Vale tem que beneficiar o indivíduo — artista e consumidor — não as empresas. A questão requer maior discussão”, disse.
Sobre o fato de o projeto prever ainda uma renúncia fiscal de R$ 500 milhões, Allan Rocha acredita que fará falta em áreas carentes de financiamento. “Esse é um exemplo de mau uso de dinheiro público. O valor que o governo tem para investir na área cultural através do financiamento de projetos é de apenas 40% deste montante. Faltam bibliotecas, cinemas, teatros, enfim, espaços públicos de difusão cultural. Além da falta de conservação de grande parte do patrimônio cultural imóvel. Este dinheiro, anualmente, resolveria inúmeros destes problemas, mas está sendo muito mal direcionado”, acrescentou.
Talita Barros
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